Atavismo inconsciente na teia

                                                Da Não Violência Ativa

         Ao longo de nossa história recente a violência coabita com a falta de utopia o lugar da escassez. Se por um aspecto as instituições públicas aumentaram o reconhecimento objetivo de práticas violentas contra pessoas, patrimônio e bens intangíveis – tornando-se crimes práticas e condutas ofensivas à honra, à imagem, à origem, à raça, à “opção sexual”, das pessoas; criminalizando a função especulativa da propriedade rural ou regulamentando a função social da propriedade, a progressividade do “poder de império”, a responsabilidade social das empresas e empreendimentos – Por outro aspecto, esta mesma criminalização ou regulamentação, ainda não se sustentam em uma tomada de consciência: em períodos de escassez e de falta de reservas utópicas, a violência substitui o status institucional.

        Fala-se em “desenvolvimento natural” (Chomsch) da violência global, como resultado do recrudescimento do combate e assassinato de terroristas antes tribais.
Do ponto de vista da cultura, a existência ou a essência que caracteriza e distingue o humano das demais espécies - nos períodos de escassez e durante as mudanças de um estado para outro que ainda não se efetivou -, a ciência, a filosofia ou a religião, justificam uma conduta violenta, como ontopráxis invertida, de suas próprias incapacidades de reconhecimento da alteridade de outrem.

       Resta a resistência da criatividade, das artes, a tarefa de dizer à ordem minoritária que a maioria é todas as minorias, somos todos nós.

       Vencido o projeto “neoliberal” do modo de ser e, principalmente, do modo de ter, uma ordem global singular parece cada vez mais inevitável: o mantra pétreo da “autodeterminação dos povos” parece aceder ao medo da invasão e do domínio indesejado da força e da violência.

       Na Ásia os costumes tribais conservam de geração a geração o extremismo e o fundamentalismo. Mais de dois bilhões de habitantes justificam as razões das discriminações pelo bem comum ou vontade de “Deus”. Mesmo no ocidente, as razões que justificam a discriminação, o preconceito ou o juízo a priori, não estão assentados no conhecimento, na ética ou no ‘ethos’, antes, as razões são auto-justificadas pela própria lógica institucional que lhes deu causa: a “minha” religião, a “minha” filosofia, o “meu” juízo de valor, a minha visão de mundo, aceita ou não aceita, porquê é assim que deve ser para o bem de todos.

       A evolução do “direito a direito”, para o direito a alteridade, a altivez da indiferença a diferença (Saflate), parecem caminhar, na história recente, na contramão dos discursos alvissareiros do pluralismo necessário. Fala-se, então em “direito médio” em “homem médio”, em “moderação necessária”(Habermas) como freio e contrapeso às “pluralidades indefinidas”(Ratszing) de uma sociedade despersonalizada.

       Na America Latina e principalmente no Brasil, estamos sob a égide de um impulso atávico: toda uma demanda política, social e econômica desembocada no primeiro triênio da década de sessenta, embatucou-se por mais de duas décadas (1964-1984)  e, a reestruturação esperada nas três décadas seguintes - pelas experiências da chamada “redemocratização” ]1984-1989[, “abertura política e econômica” [1989-1992[, “modernização do Estado”[1992-1994[, “estabilidade monetária, privatização e globalização econômica”[1994-1999], “Desenvolvimentismo e inclusão social” ]2000-2012[ - faz ressoar agora, um debate adormecido, mal ou bem, entre a visão do que acontece nas margens, nas periferias, nas pontas e a visão do que acontece no conjunto, nos centros, nas metrópoles. As percepções são as mais variadas, porém, um padrão é estabelecido: a visão das margens, das periferias, tende a ser subalterna e não subserviente, à visão dos grandes centros, das grandes metrópoles. Tecnicamente, estes dois modos de ver, conforme Deleuze, encerram o que comumente chama-se, politicamente, de “esquerda” e “direita”.

        As características de toda uma geração atormentada pelo silêncio obsequioso, re-insurge em uma geração pós-ulterior, estupefata por toda uma gama de ferramentas de comunicação - jamais imaginada antes - e, em ‘redes sociais’, livres para dizerem e reverberarem o quê lhes der a teia (web), com sapiência, ignorância ou de improviso.

        Neste contexto, urge cada vez mais a necessidade de aprofundamento e qualificação criticizadora de toda uma cultura dramática que perpassa as carapaças e simulacros: da manutenção da paz pela guerra; da manutenção da segurança pela restrição da liberdade; da manutenção do status quo pela segregação da diferença; da manutenção da “violência” pela garantia do “bem comum”; da manutenção do “denuncismo” pela “direito a informação” dissimulada; da manutenção do satanismo da crítica pela pacificação do consenso mediático...

        Toda essa matize da violência institucionalizada logra induzir, senão sua própria lógica. Inadvertidamente, somente uma cultura de paz que seja ativa e não responda à violência com mais violência será capaz de regenerar nossa combalida “democracia”, sem pechas e com aprofundamentos, criatividade e altivez, sob os auspícios da “não violência ativa”(Cohen).